terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Writing Greek [Crítica/Diatribe]






Writing Greek: An Introduction to Writing in the Language of Classical Athens.
Stephen Anderson, John TailorBristol Classical Press: 2010
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Key to Writing Greek
Stephen Anderson, John Tailor. Bristol Classical Press: 2010


Este livro, publicado em 2010 pela Bristol University Press, vive uma introdução perfeitamente insegura de si. Não é de estranhar, confessemos, que um manual de exercícios de composição em Grego [sc, Antigo] tenha dificuldades em justificar a sua existência num mundo onde não só o conhecimento da língua vai desaparecendo do Ocidente. Além do mais, os poucos que a cultivam não vêem porquê acquirir a faculdade de se exprimir sequer na sua língua irmã, o Latim, que muito mais se aproxima às nossas línguas contemporâneas, quanto mais em Grego, que além dum manifesto discrímen em termos vocabulares exibe ainda uma sintaxe que nos é nativamente estranha. Um professor meu de Latim, checo, pasmava-se por os professores das línguas clássicas serem dos únicos que se consideram acima de frequentar simpósia de didáctica de línguas. A qualquer pessoa que nos pergunta, após o espanto inicial por estudarmos Grego e Latim, se, então, as podemos falar, respondemos (muitas vezes com um meio sorriso amarelo de desprezo), que esse não é objectivo. Embora isso possa ser discutível (especialmente no caso do Latim), mesmo concedendo esse a priori permanecemos em erro, pois parece-me óbvio e aparente que qualquer conhecimento e mestria duma língua que não possa ser recriada na página vazia permanecerá uma uma mestria manca, um conhecimento parcial, um diferido ficar-aquém na conquista do prémio pelo qual as aprendemos. Porque se aplicar as línguas activamente não é certamente o objectivo para a maior parte de nós, é-o o ler os textos na língua original, com fluência que não nos obrigue a parar a cada duas páginas ou menos. Parece-nos bizarro que um aluno duma língua moderna que a estude durante três, quatro, cinco anos não seja capaz de ler fluentemente um texto medianamente complexo sem todo o aparato crítico, dicionários, e ginástica sintática à qual nos torpemente habituamos. A razão é que mordemos a nossa língua antiga e não queremos largar.

E é por isso que quem quer aprender alguma coisa das línguas clássicas e não pretender ficar nos corredores universitários durante 10 anos tem necessariamente de tentar outras métodos. As que utilizamos, que recorrem à lenga-lenga infindável de paradigmas de verbos, declinações, não funcionam. Não nego que haja professores que tentem fugir a essa tabe circense, mas mesmo esses, muitas vezes por simples impossibilidade e ausência de meios, pouco poderão fazer contra o instaurado reino; além de que serão raríssimos. Fora disso, só por força bruta: é natural que alguém que passe 10+ anos numa língua acabe por ser capaz de lhe atingir uma suficiente confiança. Mas isso, além da hipocrisia implicada no matar uma mosca com um martelo, é suicída: os Estudos Clássicos, como são publicitados e na minha opinião bem, devem servir como base propedêutica da cultura humana, o fundamento que existe no alto: é impossível a um aluno passar entre três e cinco anos a estudar estes textos para, terminado o curso, ser capaz de continuar a sua vida levando consigo o tesouro que é ler com aceitável fluência Séneca ou Platão (autores fáceis); esse aluno – todos nós – foi traído [com ph] por aqueles que diziam que lhe haveriam de entregar a chave: se o realmente deseja poder fazê-lo, terá de continuar nas universidades, ingrossando as fileiras (ou, τοῖς καθεστῶσιν, não engrossando) dum mandarinato que por muitas boas intenções que tenha não lhe pode dar o que deseja; mas entretanto o "fundamento cultural dos Estudos Clássicos" onde é que já vai.

Este livro é um primeiro e hesitante passo para ultrapassar esse marasmo, no que ao que à língua grega diz respeito. Consiste de 21 capítulos, com 5 apêndices; há ainda um Livro de Soluções, virtualmente essencial, sem o qual possivelmente de nada pode servir o volume principal. Em cada um dos 21 capítulos são apresentados, de forma pragmática e utilitária à resolução dos exercícios que se seguirão, consistindo cada capítulo de 2 conjuntos de 10 frases a verter, acrescidos dum texto de cerca de 15 linhas (para todos estes as soluções apresentam propostas de traduções utilizando os preceitos apresentados). É necessário dizer que não é uma gramática nem um manual da língua: nos exercícios e nas respectivas resoluções encontramos construções morfológicas, especialmente à medida que o livro progride, relativamente complexas: aqui trata-se apenas dum manual de sintaxe, não de morfologia verbal ou nominal (o vocabulário encontra-se todo no dicionário presente ao fim do livro) - não é de maneira alguma para pessoas que não tenham nunca pegado em Grego, não substitui um outro manual, aulas, ou outro estudo; é sim um bom complemento para alunos universitários (porque não há outros) que se vejam na situação acima descripta. Todos os exercícios consistem em versões do Inglês para o Grego. Num contexto de ensino onde as relações com os textos antigos são quase invariavelmente de tradução (“O Górgias de Platão? Mas isso não está já traduzido?”), poderíamos ser levados a pensar que a dita retroversão é um passo gigantesco. Não é: pouco tem de mérito, fora o facto de poder ser corrigida com relativa facilidade com o prestar de exercícios resolvidos. Pois na realidade aquilo que mais faz avançar na aprendizagem é a escrita de textos independentes, mas para isso pouco ou nada há que guie, e virtualmente ninguém, fora alguns raros manuais e fraseologias há muito fora do mercado (muitas das quais porém se encontram na internet, aproveitando eu agora para recomendar uma passagem atenta pelos recursos neste site).

Este volume pouco traz então que não se incluisse já em manuais antigos, fora o bizarro o ano de publicação. (Quem não tiver grande interesse em gastar os ~25 euros pelos dois volumes podê-los-ia substituir sem grande insuficiência, por exemplo, pelo North and Hillard, um livro de paragonáveis virtudes e vícios.) Gabar-se-á porém este aqui de alguns prestantes acrescentos, como o são os apêndices, que funcionam como enquirídia 1# dos usos comparados do conjuntivo e do optativo; #2 das partículas negativas; 3# da totalidade das preposições e respectivos casos; #4 da posição dos acentos; das formas irregulares dos 100 verbos mais comuns; #5 dum breve dicionário inglês-grego. A vantagem sobre uma gramática tradicional, mais completa, é a obviedade de este estar, em complemento com as secções gramaticais ao longo do curso, orientado ad usum discipulorum sem informação supérflua ou sobrecomplexa. Um pequeno passo então este manualeto, que exige algum esforço mas não muito, e que é de louvar pelo remar contra a corrente num campo do saber que já em si é remar contra a corrente (mas dois negativos não fazem um positivo).

Tendo dito isto, passo a algo mais pessoal, mais dado: como dizia acima, é impossível aprender e fazer verdadeiros progressos sem a escrita independente nas duas línguas – o conhecimento profundo da sintaxe latina é a nossa grande arma, que muitas vezes nos esquecemos de afiar, para enfrentar a sintaxe grega: são muito semelhantes, e não é por acaso que as dificuldades sofridas por aquela ínclita geração renascentista que foi a última a aprender Grego com Bizâncio, apesar de não se esgotarem com o vocabulário abundantemente novo, em grande parte se reduziam a ele. Nesta arte há já muitos séculos que somos todos nós novatos, todos nós amadores: qualquer pessoa que esteja disposta a trocar comigo emails em Grego ou em Latim, que esteja disposta a corrigir-me a mim e a ser por mim corrigida, com tanta simplicidade quanta nos exigir a falta de arte, será bem-vindo a fazê-lo em miguelsena a gmail . com. ἔρρωσθε!

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