Jacob Burckhardt sabia — prova disso é a sua resistência a Nietzsche e o seu persistente silêncio face aos apelos cada vez mais urgentes que este lhe dirigia — que ele não poderia alguma vez continuar a existir no Futuro. Mas isso não o levou a alguma vez desviar o seu olhar da verdadeira condição do seu tempo e do seu resvalar na Decadência. E é assim que não só a sua existência mas também os seus estudos e a sua disposição acolheram como parte intrínseca a si próprios a fractura dolorosa causada pelo facto de ele próprio, que tinha devotado a sua vida a pesquisar as altitudes da Cultura e os cumes da História do Mundo, se ter tornado ao mesmo tempo no Historiador da Decadência.
Foi por esse motivo que não foi apenas "A Grandeza e a Jovialidade dos Helenos" a atrair o olhar e a capturar o perseguidor da beleza, mas também a colapso da mesma cultura grega cuja apresentação ele próprio fizera. «Também o colapso e a decadência têm o direito sagrado de receber a nossa compaixão.», diz ele no [livro que escreveu sobre] Constantino. E Burckhardt conhecia talvez demasiado a fundo a inveja dos Deuses e as Sombras da Morte que chegam até à vida mais forte mesmo quando esta vive até ao fim: «O pôr-do-sol terá que vir.» Esta percepção melancólica projectou as suas sombras sobre o entardecer do dia logo a partir do instante em que Sol passou em diante do seu ponto mais alto.
Burckhardt conhecia os Deuses da Grécia mais profundamente do que qualquer outro homem do seu tempo. O seu amor para com eles tinha como plano de fundo a Sabedoria e as Exigências do Deus Santo. Lembramo-nos a esse propósito daquelas frases que um dia se haveriam de tornar famosas que ele pronunciou um dia, com a cabeça levemente curvada, para encerrou uma comunicação em que tentava interpretar a expressão melancólica e dolorosa d[a estátua] do Hermes Psychopompos do Vaticano: «Parece mesmo que a imagem vai começar a falar-nos, 'Vocês acham estranho o facto de eu estar tão triste. Eu, um daqueles abençoados olýmpicos que contemplam o mundo e desfrutam dele com jovialidade eterna e numa vida de interminável prazer. Nós tínhamos tudo: o Brilho da Beleza celeste dos Deuses, juventude eterna, um indestructível sentido de alegria; mas não éramos felizes, porque não éramos bons. Não podíamos ser bons: éramos apenas ideiais estéticos e não tínhamos qualquer potência ética: vejam a Antígona, a mais nobre filha e irmã, vejam a miséria e destruição que a acometeram por ter cumprido os nossos sagrados mandamentos. Vejam a inconsolável Níobe: matámos-lhe os filhos inocentes, apenas para podermos causar à mãe orgulhosa uma dor para além das palavras. Sempre nos comportámos assim. Vivemos sempre para nós mesmos, e para os outros não fizémos mais que preparar sofrimentos. Não éramos bons, e foi por isso que tivémos de entrar em declínio.'»
É através comentários desse género que percebemos verdadeiramente quão profundamente corria a tradição de humanidade cristã no sangue de Jacob Burckhardt. E portanto ele, um perseguidor da Beleza e um admirador da Grandeza onde quer que se possam encontrar junto das pessoas, em momento algum perdeu a consciência de que para bem da Humanidade não se pode permitir Beleza sem Moralidade, Grandeza sem Norma, Poder sem Interioridade, ou seja, sem Responsabilidade. Humanitas e humilitas não têm apenas em comum o acaso da semelhança fonética. Não é por acaso que ele inicia o seu trabalho sobre "Grandeza Histórica" com a declaração de que devemos "deixar de ser canalha", e que "a Grandeza é aquilo que nós não somos." É ainda de um conhecimento profundo e cristão sobre o ser humano o facto de Burckhardt ter escrito as suas "Considerações sobre a História do Mundo" depois de ter deixado de tentar encontrar na História o "dedo de Deus" ou o "Plano da Providência"
O Ser Humano em si — e principalmente o enigma da Grandeza humana —, esse grande Único na medida em que subjaz ao plano de fundo do Comum, tornou-se no objecto perpétuo das suas amorosas exposições. O seu grande amor pertence ao grande Indivíduo na medida em que este for entendido enquanto criação cultural. Não é portanto por acaso que foi com uma admiração um pouco horrorizada Burckhardt descreveu as grandes figuras da Antiguidade grega e os Poderosos do Renascimento como "pináculos manifestos da História do Mundo"; mas ainda assim Nietzsche cometeu uma injustiça ao reportar-se a ele — algo que o próprio Nietzsche viria a reconhecer demasiado tarde essa ideia como uma das que mais remorsos lhe causara — quando fez uso das descrições de Burckhardt para argumentar que os grandes indivíduos de qualquer época estão autorizados a dar-se a si próprios a sua própria lei. Burckhardt não conseguia entender como é que poderia ser que, vendo-se livre das doutrinas cristãs e da "moral dos dos escravos ", se pudesse vir encontrar o "Übermensch" como propósito da História. É óbvio que Burckhardt não era um cristão de Igreja; mas era incapaz de recusar a cultura [Bildung] cristã. De modo que não estava de maneira alguma "para além do bem e do mal".
Hans-Joachim Schoeps. Jacob Burckhardt oder auf den Spuren der verlorenen Zeit in Gesammelte Schriften II.7. OLMS (1960).
Tradução minha.
É através comentários desse género que percebemos verdadeiramente quão profundamente corria a tradição de humanidade cristã no sangue de Jacob Burckhardt. E portanto ele, um perseguidor da Beleza e um admirador da Grandeza onde quer que se possam encontrar junto das pessoas, em momento algum perdeu a consciência de que para bem da Humanidade não se pode permitir Beleza sem Moralidade, Grandeza sem Norma, Poder sem Interioridade, ou seja, sem Responsabilidade. Humanitas e humilitas não têm apenas em comum o acaso da semelhança fonética. Não é por acaso que ele inicia o seu trabalho sobre "Grandeza Histórica" com a declaração de que devemos "deixar de ser canalha", e que "a Grandeza é aquilo que nós não somos." É ainda de um conhecimento profundo e cristão sobre o ser humano o facto de Burckhardt ter escrito as suas "Considerações sobre a História do Mundo" depois de ter deixado de tentar encontrar na História o "dedo de Deus" ou o "Plano da Providência"
O Ser Humano em si — e principalmente o enigma da Grandeza humana —, esse grande Único na medida em que subjaz ao plano de fundo do Comum, tornou-se no objecto perpétuo das suas amorosas exposições. O seu grande amor pertence ao grande Indivíduo na medida em que este for entendido enquanto criação cultural. Não é portanto por acaso que foi com uma admiração um pouco horrorizada Burckhardt descreveu as grandes figuras da Antiguidade grega e os Poderosos do Renascimento como "pináculos manifestos da História do Mundo"; mas ainda assim Nietzsche cometeu uma injustiça ao reportar-se a ele — algo que o próprio Nietzsche viria a reconhecer demasiado tarde essa ideia como uma das que mais remorsos lhe causara — quando fez uso das descrições de Burckhardt para argumentar que os grandes indivíduos de qualquer época estão autorizados a dar-se a si próprios a sua própria lei. Burckhardt não conseguia entender como é que poderia ser que, vendo-se livre das doutrinas cristãs e da "moral dos dos escravos ", se pudesse vir encontrar o "Übermensch" como propósito da História. É óbvio que Burckhardt não era um cristão de Igreja; mas era incapaz de recusar a cultura [Bildung] cristã. De modo que não estava de maneira alguma "para além do bem e do mal".
Hans-Joachim Schoeps. Jacob Burckhardt oder auf den Spuren der verlorenen Zeit in Gesammelte Schriften II.7. OLMS (1960).
Tradução minha.
«[Jacob] Burckhardt wußte — sein Sichzurückhalten von Nietzsche und sein beharrliches Schweigen auf dessen immer dringlicher werdende Appelle machen es vollends deutlich —, daß er in der Zukunft nicht mehr würke existieren können. Aber den wirklichen Status seiner Zeit, den Befund der Dekadenz, hat Burckhardt keinen Augenblick übersehen. Und so kommt nicht nur in sein Wesen, sondern auch in seine Studien und seine Neigungen ein schmerzlicher Bruch hinein, daß er, der die Höhen des Kulturlebens und die Gipfel der Weltgeschichte zu durchforschen unternahm, gleichzeitig der Historiker der Dekadenz wurde.
So ist es denn nicht nur die „Größe und stille Heiterkeit der Hellenen“, die sein Auge anzog und die den Schönheitssucher geganfennahm, sondern auch der Verfall der griechischen Kultur, dessen Darstellung er gegeben hat. „Auch die Zeiten des Verfalls und des Untergangs haben ihr heiliges Recht auf unser Mitgefühl“, heißt es im „Konstantin“. Und Burckhardt weiß zu tief um den Neid der Götter, um die Todesschatten, die auch über das gewaltigste Leben kommen, eben indem es zu Ende lebt: „Einmal muß es Abend werden.“ Diese melancholische Ahnung wirft ihre Schatten über den niedergehenden Tag, sobald er einmal den höchsten Sonnenstand überschritten hat.
Burckhardt kannte die Götter Griechenlands, er wußte Tieferes von ihnen als alle andere Menschen seiner Zeit. Seine Liebe zu den Göttern hatte im Hintergrund noch das Wissen um die Forderung des heiligen Gottes. Man erinnere sich hier an die berühmt gewordenen Sätze, mit denen er am Schlusse eines Vortrages den schmerzvoll melancholischen Ausdruck im leichgesenkten Haupt des vatikanischen Hermes Psychopompos zu deuten sucht: „Ist es nicht, als ob das Bild zu sprechen begönne und zū uns sagte: Ihr wundert Euch, daß ich so traurig bin. Ich, einer der seligen olympier, die in ewiger Heiterkeit und unvergänglicher Lebenslust genießen und schauen. Wir hatten alles: Glanz himmlischer Götterschönheit, ewige Jugend, unzerstörbaren Frohsinn; aber wir waren nicht glüklich, denn wir waren nicht gut. Wir konnten nicht gut sein, weil wir nur ästhetische Ideale, keine ethischen Potenzen waren: Schaut Antigone, die edelste Tochter und Schwester, sie ging jämmerlich zugrunde, weil sie an uns glaubte und unsere Gebote heilig heilt. Schaut die trostlose Niobe. Wir haben ihre schuldlosen Kinder erschlagen, nur um der stolzen Mutter unsagbar weh tun zu können. So ist unser Handeln allzeit gewesen. Wir haben nur uns selbs gelebt und allen anderen Schmerz bereitet. Wir waren nicht gut, und daren mußten wir untergehen.“»
An solchen Urteiler
verrät es sich, wie tief doch Jacob Burckhardt die Tradition christlicher
Humanität im Blute lag. Gerade er, der ein Sucher der Schönheit und Bewunderer
der Größe war, wo immer sie unter Menschen vorgekommen ist, hat keinen Moment
das Gefühl dafür verloren, daß Schönheit ohne Sittlichkeit, Größe ohne Norm,
Macht ohne Innerlichkeit, d.h. Verantwortung, nicht bestehen darf — um des
Menschen willen. Humanitas und humilitas haben noch mehr miteinander gemein als
nur den Zufall des lautlichen Gleichklanges. Nicht umsonsts beginnt die
Abhandlung über „Historische Größe“ mit der Feststellung, daß wir „unseren
Ausgang von unserem Knirpstum“ nehmen müssen. „Größe ist, was wir nicht sind.“ Es ist noch ein zutiefst christliches Wissen um den Menschen, das
Burckhardt „weltgeschichtliche Betrachtungen“ anstellen läßt, auch wenn er
nicht mer den „Finger Gottes“ oder den „Plan der Vorsehung“ in der Geschichte
nachzuweisen strebt.
Es
ist schon der Mensch an sich — und insbesondere das Rätsel menschlicher Größe
—, der große Einzelne auf dem Hintergrund des Allgemeinen, den seine
Darstellung immer wieder liebevoll herausarbeitet. Dem großen Individuum,
sofern es kulturschöpferisch zu werden vermag, gehörte seine große Liebe. Nicht
umsonsts hat Burckhardt die großen Gestalten der grieschischen Antike und die
Machtmenschen der Renaissance als „gewisse Höhepunkte der Weltgeschichte“ mit
leicht grausender Bewunderung dargestellt; aber Nietzsche hat sich doch zu
Unrecht auf ihn berufen — es ist eine der schmlerzlichsten Späterkenntnisse
Nietzsches geworden —, wenn er aus Burckhardts Schilderungen die Erlaubnis
abzuleiten glaubt, daß das große Individuum auch jederzeit sein eigenes Gesetz
sich geben dürfe. Der „Übermensch“ als Geschichtsziel, so man nur die Lehrsätze
der „christlichen Sklavenmoral“ einaml von sich werfen wolle, konnte
Burckhardts Einverständnis niemals finden. Burckhardt war gewiß kein
Kirchenchrist; aber der christlichen Bildung konnte er nicht entsagen. Und so
stand er denn nicht „jenseits von gut und böse“.
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