domingo, 23 de dezembro de 2012

Do Valor do Original

...μούνην γὰρ κραδίην νοερὴν λίπον...
...deixaram apenas o «coração pensante»*...
Fragmentos Órficos 210a Kern
*usamos a tradução de Calasso, em As Núpcias... [p. 295],
 que foi quem nos deu a descobrir o fragmento.

διαβούλιον καὶ γλῶσσαν καὶ ὀϕϑαλμούς,
ὦτα καὶ καρδίαν ἔδωκεν διανοεῖσϑαι αὐτοῖς.
[Deus] Dotou-os de inteligência, língua e olhos,
de ouvidos e dum coração para pensar.
Sir 17, 6, retirado da Nova Bíblia dos Capuchinhos
Difusora Bíblica, Lisboa/Fátima: 1998. (trad.: Arlindo Gomes Furtado)

Só ao fazer este post me apercebi da (parcial) falsidade da ligação que pensava existir entre os dois textos, que li com poucos dias de diferença, primeiro o último. A expressão «um coração para pensar» obrigou-me, na altura, a parar, parecendo resumir em si todo um programa para uma filosofia nova e sobretudo necessária, que leve a sério o desejo, a relação & os afectos. Pouco me importava que a nota esclarecesse que, para os hebreus, o coração era a sede do pensamento e que, portanto, a frase nada tinha de extraordinário: o que me interessava era o paradoxo que o tempo ali operara, e a sua potência. Ao ver agora o texto grego, percebo que entendi mal o texto: o «para pensar» refere-se não exclusivamente ao coração mas a todos os órgãos antes listados, como deixa claro a tradução do King James: «Counsel, and a tongue, and eyes, ears, and a heart, gave he them to understand». E eu que entretanto até já publicitara a expressão «um coração para pensar» junto de um amiga. Valham-nos pois os gregos e Proclo, que nos salvou, como Atena o de Zagreu (a quem se refere o fragmento), esse «coração pensante», para alimentar a contemplação & a luz.

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