terça-feira, 5 de abril de 2011

Clitemnestra

Em todo o fabuloso Peloponeso, é Micenas um lugar que conserva intacta a sua atmosfera dramática. A traquinice tagarela dos turistas retrai-se um pouco diante daquela porta com a sua tiara de leoas vigilantes. É como se a própria Clitemnestra, com o seu vestido de luto e o seu rosto pintado, estivesse a olhar fixamente os clarões que se acendem sobre o poente e que bem podem traduzir a derrota de Tróia. É uma mulher extraordinária, de rosto oval e pele que reflecte a luz; a sua brancura é azulada, tem a voz rouca e breve das espartanas. Atrás daquela Porta das Leoas, que não pode ser barricada contra o destino, ela se conserva, a rainha ferida de rancores antiquíssimos.

Agustina Bessa-Luís, Conversações com Dmitri e Outras Fantasias, Relógio d'Água, 1992

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