(este blogue não é um blogue político. os seus autores não subscrevem necessariamente a opinião exposta na crónica seguinte. independentemente da posição individual de cada um dos escribas deste blogue em relação a esta matéria política da actualidade, o texto abaixo é reproduzido pela razão óbvia de ser uma paródia fascinante a um dos textos mais famosos da Antiguidade — em cena brevemente, no Ensaio Sobre A Cicuta).
Não sei, ó cidadãos de Portugal, de que modo tereis sido afetados pelos meus acusadores, mas previno-vos de que nada do que disseram é verdadeiro. É certo que a acusação foi feita na Assembleia, onde a verdade deve ser utilizada com parcimónia, mas tudo o que a oposição afirmou sobre o PEC 4 é falso, como, aliás, é facilmente demonstrável: a oposição não pode saber o que é o PEC 4 uma vez que Teixeira dos Santos, que o concebeu, também não sabe.
Fui, como sabeis, acusado de corromper a juventude e de introduzir novos cultos na República. Ambas as acusações são falsas. O aumento do desemprego, do trabalho precário e dos estágios não remunerados não corrompem a juventude, antes a formam. O desemprego estimula a imaginação, o trabalho precário fortalece o carácter e os estágios não remunerados enriquecem o currículo do trabalhador - que, com a experiência adquirida nesse estágio não remunerado, mais facilmente conseguirá encontrar outro estágio não remunerado.
A acusação de ter introduzido novos cultos também não é verdadeira. O culto dos mercados está longe de ser novo. Há anos que rogamos aos mercados e celebramos sacrifícios em seu nome. Eu só tornei os sacrifícios mais frequentes. E menos eficazes.
Os meus acusadores dizem ainda que são mais sábios do que eu, e que desempenharão melhor as minhas funções. No entanto, é facto conhecido que, quando visitei o oráculo de Berlim, a pitonisa afirmou que não havia ninguém mais sábio. Quanto mais não seja porque não suponho saber aquilo que não sei. Por exemplo, sei que nada sei de inglês técnico.
Quanto à morte política que me foi decretada, ó cidadãos, não a temo. O temor da morte política constitui falsa sabedoria, porquanto se baseia numa pretensão de conhecimento, e não em conhecimento verdadeiro. Ninguém sabe o que acontece após a morte política - logo, não sabe o que temer. A morte política só pode ser uma destas duas coisas: ou o morto deixa de ter existência política, ou a morte política é a migração deste lugar para outro, onde estão outros mortos políticos. Se o morto deixa de ter existência política, em princípio passa a ter existência empresarial, e pode ir para a Mota Engil, como Jorge Coelho, ou para a Lusoponte, como Ferreira do Amaral - dois defuntos aos quais a morte política deu destino semelhante. Nesse caso, creio ter feito o suficiente nesta vida para merecer, no Além político, uma recompensa superior: em lugar de empresas portuguesas, poderei aspirar a um posto na Siemens ou na Volkswagen, sentado à direita do Conselho de Administração. Os mortos vão para o céu, os mortos políticos vão para CEO.
Se a morte política for a migração de um lugar para outro, tenho ainda menos razões para temer o meu fim. Cavaco Silva, que estava politicamente morto em 1995, migrou para a Presidência da República ao fim de apenas dez anos, e o seu lugar fica vago daqui a quatro. Outras hipóteses de migração para mortos políticos são o Alto Comissariado da ONU para os Refugiados ou a Presidência da Comissão Europeia. Haverá destinos mais terríveis.
Mas já é tempo de nos retirarmos: eu para a morte política, vós para a vossa vida. Qual das duas é a melhor sorte, só Zeus saberá. Ou os mercados, pois podem mais que Zeus.