quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Rimbaud em Latim para o Ano Novo


Alguns dos primeiros poemas de Rimbaud foram escritos em Latim, em elegante verso hexâmetro. Escreveu o primeiro com 14 anos, e um ano mais tarde venceria um prémio de composição latina no qual se incluiu o presente. Li-o pela primeira vez ontem, mas infelizmente não fui a tempo de o traduzir logo; chega com um dia de atraso: Em nome da Origem da Comédia, um feliz ano novo.


O Anjo e o Menino
Já o ano novo consumira a luz primeira,
A luz de que gostam as crianças, a luz rebuscada,
Em breve esquecida: sepultado  no sono e no riso
O menino languesce em silêncio; à sua volta o leito
De penas, e pela terra espalhadas as rocas sonoras;
Ao lembrar-se delas surgem-lhe sonos felizes,
Recebe os presentes celestes depois dos da mãe.
A face sorri, e os lábios meio abertos parecem quase
Chamar Deus. Junto à sua cabeça um anjo
Inclinado tenta colher os murmúrios languentes
Do seu coração inocente, curvado ante a sua figura,
Contempla o ethéreo rosto, com a alegria da face serena
Se espanta, com a alegria da mente se espanta,
Com aquela flor que o Noto não desflorou, "Menino par nosso,
Vai, ascende comigo aos céus, nos reinos celestes
Penetra; mostra o que vales em sonhos e em brilhantes palácios
Habita: e que a terra não retenha um discípulo dos céus!
Não confies em ninguém: os mortais jamais desfrutam
De alegrias sinceras; e até na fragrância da flor
Há algo de amargo, os corações agitados dão uso
A tristeza feliz; se não tiver nuvens jamais o prazer
Se alegra, e sempre uma lágrima brilha no sorriso hesitante.
Como? Terá mesmo a face pura de murchar num amargo viver,
As ânsias de manchar de lágrimas teus olhos azuis,
E a sombra do cipreste de te expulsar as rosas do rosto?
Não: entrarás comigo nas orlas divinas,
Juntarás tua voz às vozes dos coros celestes,
E lá em baixo verás as pessoas em vaga incessante.
Vai: a Divindade rompe-te as cadeias da vida.
Mas que não vele tua mãe com xaile de luto:
Nem não contemple o caixão de outro modo que o berço,
Renegue o sobrolho de dor, e que o vulto não se entristeça
Com o funeral: dê antes lírios a mãos cheias:
A quem é puro o mais belo dia é o último."
E logo lhe achega à cara rosada com cuidado uma pena,
E ceifa-o sem que ele disso se aperceba, recebe-lhe a alma
Nas asas azuis,  e transporta-o para as moradas celestes
Remando suavemente, no seu leito apenas os pálidos
Membros ficaram, que abandonou por graça de outrém;
Mas o sopro vital já não bafeja em serviço da vida;
Morreu…; mas perfumados de beijos seus lábios
Expiram um sorriso, e solta-se o nome da mãe,
Lembra-se ao morrer dos presentes do ano nascente.
Dirias mesmo que é um sono doce que lhe fecha os olhos;
Mas o sono profundo com honras maiores que as mortais
Cinge-lhe a face duma espécie de brilho celeste
E demonstra-o discípulo dos céus embora nascido na terra.
Oh! com quanta dor sua mãe o chorou
E com que choro incessante o sepulcro aspergiu!
De cada vez porém que com o doce sono fecha os olhos
Brilha do limite rosado dos céus um pequeno
Anjo, que se deleita a chamar a sua doce mãe,
O sorriso de um responde ao do outro, e em breve caído do ar
Voa com as suas asas de neve em volta da atónita mãe,
E junta os seus lábios divinos aos dela.

Arthur Rimbaud.
Texto latino: Poesia Latine di A. Rimbaud. Instituti Editoriali e Poligrafici Internazionali. (1998)
Tradução portuguesa minha.


L'Ange et l'enfant
Jamque novus primam lucem consumperat annus,
Jucundam pueris lucem, longumque petitam,
Oblitamque brevi: risu somnoque sepultus,
Languidulus tacuit puer; illum lectulus ambit,
Plumeus, et circa crepitacula garrula terrâ,
Illorumque memor, felicia somnia capit,
Donaque coelicolum, matris post dona receptat.
Os hiat arridens, et semadaperta videntur
Labra vocare Deum; juxta caput angelus adstat
Pronus, et innocui languentia murmura cordis
Captat, et ipse suâ pendens ab imagine, vultus
Aethereos contemplatur; frontisque serenae
Gaudia miratus, miratus gaudia mentis,
Intactumque Notis florem; "Puer aemule nobis,
I, mecum conscende polos, coelestia regna
Ingredere; in somnis conspecta palatia dignus
Incole: coelestem tellus ne claudat alumnum!
Nulli tuta fides: numquam sincera remulcent
Gaudia mortales; ex ipso floris odore
Surgit amari aliquid, commotaque corda juvantur
Tristi laetitiâ; numquam sine nube voluptas
Gaudet et in dubio sublucet lacryma risu.
Quid? frons pura tibi vitâ marceret amarâ,
Curaque coeruleos lacrymis turbaret ocellos,
Atque rosas vultus depelleret umbra cupressi?
Non ita: Divinas mecum penetrabis in oras,
Coelicolumque tuam vocem concentibus addes,
Subjectosque homines, hominumque tuebere fluctus,
I: tibi perrumpit vitalia vincula Numen.
At non lugubri veletur tegmine mater:
Haud alio visu feretrum ac cunabula cernat;
Triste supercillium pellat, nec funera vultum
Contristent: manibus potius det lilia plenis:
Ultima namque dies puro pulcherrima mansit".
Vix ea: purpureo pennam levis admovet ori,
Demetit ignarum, demessique excipit alis
Coeruleis animam, superis et sedibus infert
Molli remigio: nunc tantum lectulus artus
Servat pallidulos, quibus haud sua gratia cessit,
Sed non almus alit flatus, vitamque ministrat;
Interiit…; sed adhuc redolentibus oscula labris
Exspirant risus, et matris nomen oberrat,
Donaque nascentis moriens reminiscitur anni.
Clausa putes placido languentia lumina somno;
Sed sopor illo, novo plus quam mortalis honore,
Nescio quo cingit coelesti lumine frontem
Et terrae sobolem, at coeli, testatur alumnum.
Oh! quanto genitrix luctu deplanxit ademptum,
Et carum inspersit, fletu manante, sepulcrum!
At quoties dulci declinat lumina somno,
Parvulus affulget, roseo de limine coeli,
Angelus, et dulcem gaudet vocitare parentem,
Subridet subridenti: mox, aere lapsus,
Attonitam niveis matrem circumvolat alis,
Illaque divinis connectit labra labellis.

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