Num comentário ao Hino Homérico a Afrodite, tropecei na seguinte nota, que reproduzo na íntegra, também para dar ao leitor um vislumbre da complexidade a que pode chegar o jargão classicista:
Não pude deixar de recordar a célebre passagem de Benjamin sobre o quadro de Paul Klee:104: εἰσοπίσω. Cf. Tyrt. 9. 30: γένος ἐξοπίσω. The word has to be taken with θαλερόν γόνον, not with ποίει (Humbert). Originally the word means 'behind'. The Greeks imagined thamselves facing the past; so the temporal sense of εἰσοπίσω [para trás] became 'in the future'; cf. W. J. Verdenius ad Pind. Ol. 7, 68 and B.A. van Groningen, 'In the Grip of the Past' (Leiden, 1953). The word does not occur in Homer (see LSJ s.v.), but cf. σ 122: ἔς περ ὀπίσσω.
Há um quadro de Klee intitulado Angelus Novus. Representa um anjo que parece preparar-se para se afastar de qualquer coisa que olha fixamente. Tem os olhos esbugalhados, a boca escancarada e as asas abertas. O anjo da história deve ter este aspecto. Voltou o rosto para o passado. A cadeia de factos que aparece diante dos nossos olhos é para ele uma catástrofe sem fim, que incessantemente acumula ruínas sobre ruínas e lhas lança aos pés. Ele gostaria de parar para acordar os mortos e reconstituir, a partir dos seus fragmentos, aquilo que foi destruído. Mas do paraíso sopra um vendaval que se enrodilha nas suas asas, e que é tão forte que o anjo já as não consegue fechar. Este vendaval arrasta-o imparavelmente para o futuro, a que ele volta costas, enquanto o monte de ruínas à sua frente cresce até ao céu. Aquilo a que chamamos progresso é este vendaval.
Walter Benjamin, O Anjo da História
Assírio & Alvim, Lisboa: 2010. (trad.: João Barrento)
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