O Poema dos Séculos — o
Carmen Sæculare — que nestes últimos dias me calhou recitar juntamente com outros membros do
Thíasos (a Amélia, o Ricardo, e a Daniela) em Coimbra e em Conímbriga, foi composto há mais de 2000 anos, para celebrar o advento da nova era, do novo século. Horácio recebeu a ordem de compor um poema em honra de Apollo e Diana que os novos tempos louvasse. É uma obra de propaganda, uma obra com uma potente ideologia política implícita. Mas é também um grande poema, e uma obra santa.
Traduzir Horácio é, como se diz em Latim, perder tempo e azeite (perdere operam et oleum); a refinada estrutura dos versos está condenada ao fracasso em tradução. Tentei contudo minizar essa perda vertendo a estrofe sáfica (género de métrica greco-latina com 3 hendecassílabos falaicos, X--XX--X-XX*3, fechados por um adoneu, X--XX) o mais próximo possível do português. Um paralelo perfeito é impossível, mas in magnis et voluisse sat est.
(A gravação que se segue é do texto latino, acessível no fim desta página.)
Febo, e Diana senhora dos bosques,
Luz gloriosa dos céus, que adoramos
E adoraremos, ouçam nossa prece
Neste tempo santo.
Em que ordenam os livros Sibilinos
jovens honradas e rapazes puros
cantar aos deuses destes sete montes
este poema.
Pai Sol, que em teu carro claro mostras
e escondes o dia, e nasces Outro
mas Mesmo, oxalá jamais vejas nada
Maior que Roma.
Tu que cuidas dos partos na altura
Correcta, Ilitía, protege as mães,
Quer prefiras que te chamem Lucina
Quer Genitalis.
Deusa, educa os rebentos, e reforça
Os decretos dos Pais sobre as bodas
Das mulheres e a lei do casamento
fecundo e fértil
para que o ciclo certo de dez vezes
onze anos repita o canto e os jogos
de dia três vezes, outras tantas na
noite bem-vinda
E vós, Parcas, que cantastes verdade
Como se disse, e tal como se espera
Que o fim confirme, juntai novas bençãos
Às que já temos.
Que a Terra, rica em gado e cereal-,
Conceda a coroa de espigas a Ceres;
Que Júpiter sopre e que águas puras
Velem dos campos.
Sê gentil, Apolo, embainha a espada
e ouve estes rapazes suplicantes;
rainha das estrelas e do crescente, ouve,
Lua, estas jovens.
Se Roma é obra vossa, se as tropas
De Ílion tomaram a costa Etrusca
com ordem de mudar de cidade e lar
em rota calma,
a quem o casto e inocente Eneias
ao fugir da ardente Tróia, sua pátria,
conduziu à liberdade, e a quem deu
mais que deixara:
deuses, aos jovens dêem bons costumes,
deuses, aos gentis idosos repouso,
e ao povo Romano bonança e herdeiros
e toda a glória.
E que obtenha o que com touros brancos vos
Pede o sangue insigne de Anquises e Vénus
Superior em combate, piedoso
Com quem se rende.
O Persa já teme na terra e no mar
os machados e as mãos de Alba Longa,
já se submetem os Citas e os Indos
há pouco soberbos.
Já a Fé, a Paz, a Honra, a Virtude
exposta e o Pudor antigo ousam
voltar, e a abençoada Cornu-
-cópia aparece.
Se Febo, o augur do arco brilhante,
Que as nove Camenas acolheram,
e cuja sadia arte tranquiliza
o corpo cansado,
Vir com bons olhos os altares Palatinos,
Prolongará num novo ciclo e numa
Era melhor a bonança feraz de
Roma e do Lácio.
Diana, que o Álgido e Aventino
possuis, cumpre as preces destes quinze
homens e benfazeja ouve os votos
destes rapazes.
Eu para a casa levo a certeza
que assim pensa Júpiter e todos
os deuses. Eu, o coro que sei cantar
Febo e Diana.
Horácio. Carmen Sæculare. Miguel Monteiro (trad).
Phœbe silvārumque potēns Diāna,
lūcidum cælī decus, ō colendī
semper et cultī, date quæ precāmur
tempore sacrō,
quō Sibyllīnī monuēre versūs
virginēs lectās puerōsque castōs
dīs, quibus septem placuēre collēs,
dīcere carmen.
alme Sōl, currū nitidō diem quī
promis et cēlās aliusque et īdem
nasceris, possīs nihil urbe Rōmā
vīsere maius.
Rīte mātūrōs aperīre partūs
lēnis, Īlīthyja, tuēre matrēs,
sīve tū Lūcīna probās vocārī
seu Genitālis:
dīva, prodūcās subolem patrumque
prosperes dēcreta super jugandīs
fēminīs prolisque novæ ferāci
lēge marīta,
certus undēnōs deciens per annōs
orbis ut cantus referatque lūdōs
ter diē clārō totiensque grātā
nocte frequentīs.
Vōsque verācēs cecinīsse, Parcæ,
quod semel dictum est stabilisque rērum
terminus servet, bona jam peractīs
jungite fāta.
fertilis frūgum pecorisque Tellus
spīceā dōnet Cererem corōnā;
nutriant fētus et aquæ salūbrēs
et Jovis auræ.
conditō mītis placidusque telō
supplicēs audī puerōs, Apollo;
sīderum rēgīna bicornis, audī,
Lūna, puellās.
Rōma sī vestrum est opus Īliæque
lītus Ētruscum tenuēre turmæ,
jussa pars mūtāre larēs et urbem
sospite cursū,
cui per ardentem sine fraude Troiam
castus Ænēas patriæ superstes
līberum mūnīvit iter, datūrus
plūra relictīs:
dī, probōs mōrēs docilī juventæ,
dī, senectūtī placidae quiētem,
Rōmulæ gentī date remque prolemque
et decus omne.
Quæque vōs bōbus venerātur albīs
clārus Anchīsæ Venerisque sanguis,
impetret, bellante prior, jacentem
lēnis in hostem.
jam marī terrāque manūs potentīs
Mēdus Albānāsque timet secūrīs,
jam Scythæ responsa petunt, superbī
nūper et Indī.
jam Fidēs et Pax et Honos Pudorque
priscus et neglecta redīre Virtus
audet adparetque beāta plenō
Cōpia cornū.
Augur et fulgente decōrus arcū
Phœbus acceptusque novem Camēnīs,
quī salutārī levat arte fessōs
corporis artūs,
sī Palatīnās videt æquos ārās,
remque Rōmānam Latiumque fēlix
alterum in lustrum meliusque semper
prōrogat aevum,
quæque Aventīnum tenet Algidumque,
quindecim Dīana precēs virōrum
cūrat et vōtīs puerōrum amīcās
adplicat aurīs.
Hæc Jovem sentīre deōsque cunctōs
spem bonam certamque domum reportō,
doctus et Phœbī chorus et Diānæ
dīcere laudēs.
Imagem: detalhe do friso do Altar da Paz Augusta, Roma.