De acordo com Anaxágoras, o sol é maior do que o Peloponeso [DK A42.8] (um avanço em relação a Heraclito, para quem o sol era do tamanho de um pé: DK B3). A afirmação sempre me pareceu uma especulação ingénua se não mesmo pateta, um exemplo cómico da ciência primitiva dos pré-socráticos. Esta é, claro, uma atitude arrogante e errada: não só o David Santos nos sensibilizou para a complexidade perdida do pensamento destes pioneiros, como Anaxágoras, em particular, não merece ser desconsiderado assim, ele que, por exemplo, avançou a primeira explicação correcta dos eclipses (DK A42.9-10) e ficou famoso por ter previsto a queda de um meteoro (DK A12 e Graham Axg 3). Ontem tive, de novo, a confirmação de que, de facto, é com grande humildade que nos devemos aproximar destes filósofos, cujas ideias, por absurdas, nomeadamente as físicas, que nos pareçam, escondem uma reflexão intensa e em tudo conforme às exigências da razão, trabalhando com sagácia os dados empíricos de que dispunham. Graças ao comentário de Graham à sua edição bilingue dos textos dos principais pré-socráticos, percebi finalmente o rationale por detrás da estranha afirmação de Anaxágoras em relação ao tamanho do sol. É bem possível que a sua tese resulte da observação do eclipse de 478 a.C., que cobriu o Peloponeso e foi também visto em Atenas. Seria natural que Anaxágoras deduzisse pela "sombra" da lua (que dizia ser tão grande como o Peloponeso: Graham Axg 41 = Plu. Sobre a Face... 932a) que o sol era maior do que a área que experimentou o eclipse total. O raciocínio é limpo e cauteloso. Efectivamente, há que partir do pressuposto, em tropeçando num qualquer fragmento mais esotérico, de que estes tipos sabiam o que estavam a dizer e sem dúvida não o estariam a afirmar sem uma boa causa. Ofereço recompensa a quem me ajudar a explicar a opinião de Heraclito.
O corpo e a mente
Há 1 dia
Nota para os curiosos: aparentemente, há toda uma tese apenas sobre o sol em Heraclito: 'Sunbowl or Symbol. Models for the Interpretation of Heraclitus' Sun Notion' by C. L. J. Schönbeck. Apenas tive acesso a uma review do Malcolm Shofield que diz que, apesar do trabalho ser um manancial impressionante de informações, é demasiado céptico em relação à nossa possibilidade de reconstrução do pensamento pré-socrático, pelo que acaba por não avançar uma teoria de interpretação dos fragmentos sobre os quais se debruça, apenas fornece dados para quem o queira arriscar.
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