terça-feira, 22 de julho de 2014

2014 - O Estado Crítico dos Estudos Clássicos em Portugal

(Texto recebido pela Origem da Comédia)

A investigação e o ensino dos Estudos Clássicos em Portugal estão ameaçados de extinção. De facto, a arbitrariedade e o voluntarismo com que o Estado legisla e interfere nas instituições dedicadas à investigação e ao ensino, sejam centros de investigação, universidades e escolas, provocam o caos numa área do saber cujo valor referencial para a cultura portuguesa e culturas europeias é, com ironia, unanimemente considerada.

Foi levada a termo, pela Fundação para Ciência e Tecnologia, neste mês de Julho, a avaliação dos centros de investigação. Os resultados da mesma condenarão muitos centros nacionais ao subfinanciamento, incompatível com os projetos que têm em curso, ou à cessação de atividade por estrangulamento financeiro. A situação afeta muitas áreas científicas, mas é particularmente grave nas Humanidades e Ciências Sociais. Os dois centros portugueses de investigação em Estudos Clássicos, o Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos de Coimbra (CECH) e o Centro de Estudos Clássicos da Universidade de Lisboa (CEC) encontram-se entre as unidades de investigação que, tendo recebido “Bom”, verão inexoravelmente afetado o seu funcionamento até 2020.

A investigação acolhida nestes Centros atravessou nos últimos vinte anos um florescimento e uma qualificação únicos na história dos Estudos Clássicos em Português: o número de traduções de autores em Latim e em Grego antigo que, pela primeira vez, foram apresentados e traduzidos para a língua portuguesa; as teses de mestrado e doutoramento acolhidas e desenvolvidas nestas unidades de investigação; a organização e participação de investigadores portugueses em iniciativas científicas; as publicações nacionais e internacionais; a avaliação periódica a que estas instituições foram sujeitas pela FCT e o consequente reflexo desta nas atividades e na estratégia seguidas por estas unidades, são indicadores cuja constância e reconhecimento público especializado, nacional e internacional, não fariam de forma alguma prever os resultados agora divulgados.

Quanto ao ensino dos Estudos Clássicos nas universidades, existem duas formações de primeiro, segundo e terceiro ciclo em todo país, nas universidades de Lisboa e Coimbra, em complementaridade com as unidades de investigação em Estudos Clássicos aí sedeadas. Há já largos anos que, à semelhança de outras áreas científicas neste país consideradas “não prioritárias”, os alunos aí iniciam (num claro paradoxo com a designação “ensino superior”) o estudo de Latim e de Grego. A situação é de tal modo calamitosa que os estudantes Erasmus que frequentam Humanidades nas nossas universidades têm dificuldade em encontrar níveis de formação em língua suficientemente desafiantes para continuarem a sua aprendizagem. O inverso também sucede: estudantes portugueses em mobilidade que não conseguem acompanhar os níveis superiores de ensino de línguas clássicas praticados nas universidades europeias, por claro desfasamento entre duas realidades educativas.

Que se saiba, também no domínio dos Estudos Clássicos Portugal está em desvantagem competitiva!

As sucessivas, e nunca avaliadas, mudanças dos planos curriculares do ensino secundário, aliadas às sucessivas e nunca avaliadas reformas da rede escolar, tarefas em que têm sido pródigos os ministérios da Educação deste país, tiveram com efeito, não sem os alertas das sociedades científicas, académicos e professores, a quase extinção do ensino do Latim e do Grego nas escolas portuguesas, públicas e privadas, dentro de um também anémico curso científico-humanístico de Humanidades.

Temos, em todo o país, uma turma de Grego no 12º ano, e não chegam a duas centenas o número de alunos a quem é permitido aprender Latim, entre o 10º e o 12º ano. A maioria das cidades portuguesas não tem uma escola que apresente a opção de Latim e de Grego aos seus estudantes de Humanidades, previstas, contudo, nos planos curriculares. Portugal é também o único país novilatino que aceita que o ensino da sua língua materna – o Português –seja possível com recursos humanos, isto é, com professores, sem nenhum conhecimento de Latim.

A Associação Portuguesa de Estudos Clássicos manifesta a sua grande preocupação face a este cenário de asfixia e extinção dos Estudos Clássicos em Portugal – na investigação, no ensino superior e nas escolas básicas e secundárias. Considera profundamente alarmante que num país europeu desenvolvido – o único face aos outros países europeus, românicos ou não – se verifique este estado de negligência pelos Estudos Clássicos, após sucessivas intervenções legislativas de quem tutela a investigação e o ensino. Denunciamos o estado de alerta que paira sobre as Humanidades clássicas, ameaçadas por um desastre paulatinamente criado por uma tutela que descura as condições de estabilidade no ensino e investigação de um domínio científico fundamental, e de quem se esperava zelo, também por este indicador de desenvolvimento: a presença de Portugal, com continuidade, consistência e mérito, no grupo de países europeus com investigação e ensino, superior e não superior, em Estudos Clássicos.

18 de Julho de 2014
Paula Barata Dias
Presidente da APEC
(Associação Portuguesa de Estudos Clássicos)

sábado, 12 de julho de 2014

[PORTO] Quem quer Latim no secundário?

Que o Latim está a desaparecer, ou talvez a melhor palavra seja a extinguir-se (é que os predadores são muitos) não é novidade para ninguém. Lembro-me de há coisa de 7 anos atrás quando quis fazer Latim no secundário em Viseu ter ficado espantado por em nenhuma das escolas dessa capital de distrito haver possibilidade de o estudar. Claro que isso não é nada comparado com a possibilidade bem real de deixar de haver Latim no Porto, a segunda cidade do país.

Por enquanto pouco se pode fazer a nível institucional, até porque um dos motivos para não abrirem as turmas é os alunos estarem dispersos por várias escolas e por motívos logísticos (deixo um "alegadamente") não ser possível abrir uma só turma., mas o foi-nos pedido que sugeríssimos que alunos nestas condições, ou seja que queiram ter Latim mas as escolas não o permitam, sejam reencaminhados para a Escola Secundária Rodrigues de Freitas — Porto onde a possibilidade de abertura duma turma é mais real.

Claro que nos deveria encher de revolta o mero facto de um país de língua neo-latina ter de andar com estratagemas destes para que os seus filhos e filhas possam sequer ter a possibilidade de aprender a língua avó.


Muito importante

Chega-nos aos ouvidos que existe um Despacho que prevê que, não existindo uma escola num raio de 30km a oferecer uma disciplina, esta possa abrir com qualquer número de alunos, mesmo se inferior aos 20 regularmente previstos por lei. Isto é uma grande conquista, e alunos, pais, e professores interessados em pressionar pela abertura de turmas de Latim devem fazê-la valer.
Despacho n.º 5048-B/2013, V, art. 21, 4 (sic.) 4- O reforço nas disciplinas da componente de formação específica ou de formação científico-tecnológica, decorrente do regime de permeabilidade previsto na legislação em vigor, pode funcionar com qualquer número de alunos, depois de esgotadas as hipóteses de articulação e de coordenação entre estabelecimentos de ensino da mesma área pedagógica, mediante autorização prévia dos serviços do Ministério da Educação e Ciência competentes.

terça-feira, 1 de julho de 2014

Estará o Latim realmente a voltar às escolas? Caveat Lector


O texto acima é um artigo infelizmente necessário que falsifica as notícias que aparecem com a regularidade dum relógio sobre a suposta "ressurgência do Latim" nos curricula, por sinal sempre nos de outros países. (O meu favorito é o da Deutsche Welle.) É um artigo necessário porque o Latim (ou o Grego, ou as Humanidades, ou a Civilização Ocidental), se alguma fez conseguirem sair do seu torpor, não será devido à resolução iluminada dos alunos do secundário, que um dia acordarão conscientes de que o estudar a Antiguidade é o segredo para o futuro. Para que isso possa acontecer teremos de ser nós a colocarmo-nos em causa e a submetermo-nos a violentas auto-críticas. Para além dos motivos apresentados no artigo, estas histórias são sedutoras porque nos poupam a essa investigação interior, e (visto que são escritas por pessoas como nós), contam a história como nós a queremos ver contada: somos apresentados como os heróicos resistentes, os devotos adeptos do «água mole em pedra dura» que afinal de contas tiveram sempre razão (e, finalmente, a criançada lá acabou por perceber — a criançada, diga-se, lá de fora, lá nos países civilizados). Não temos mais que nos submeter a análise, porque a História (ou pelo menos as manchetes de meia dúzia de jornais online) acabaram por nos vindicar. E isso sabe bem cá dentro, mas é também perigosamente falso.
»But I'd argue there's more to it than that. This story persists in large part because it's a story we really, really want to believe. In a world full of talk about the "dumbing down of education" and worries about a generation unable to focus on anything longer than a text message, the notion of young people embracing "the classics" and taking on a subject that's famously difficult and challenging is immensely reassuring.«