terça-feira, 20 de julho de 2010

Alguns poemas de Kostas Montis traduzidos por Fotini Hadjittofi

Patrulhas, senhor, os bairros?

Podes ver África aí de cima, Senhor?
Podes ver a Etiópia, a Somália?
Pode alguém distingui-las?

É justo, Senhor,
que eles rezem e eu escreva versos?

O estudo da morte

Senhor, que nenhum Caronte solteiro
conceba filhos e netos.

A preparação da morte

Ó preparação longa e inútil,
Trabalho vão!

*
A única solução, Senhor,
É que as balas deixem de matar
Porque nós certamente continuaremos a disparar.

Monumentos de heróis

Temo a sua intenção real
Temo que existam apenas
Para encorajar outros a que se matem.

Vida

A ela pouco lhe importa que nos desagrade:
sabe que não nos tornaremos a encontrar novamente.

Acerca de Deus

Estou em crer que, se tivesse Jesus por neto e não por filho,
não nos deixaria crucificá-lo:
fizéssemos de nós o que nos apetecesse.

Invasão Turca - Sobre Pessoas Desaparecidas

Estas foram simplesmente as fotografias de passe
tiradas para obter um passaporte
para quando partissem para estudar na Universidade.
Como poderiam imaginar que seriam deixadas para trás
e apertadas assim, dia e noite,
nas mãos de suas mães,
Como poderiam imaginar que seriam deixadas para trás
e apertadas assim, dia e noite,
nas mãos de suas noivas,
nas mãos de suas esposas,
guardadas nas mochilas de seus filhos?
Se o soubessem, será que teriam
deixado a boina posta de lado num gesto despreocupado,
será que teriam sorrido aquele sorriso
despreocupado?

*

É difícil acreditar
que foi o mar de Kyrenia que até nós os trouxe.
É difícil acreditar
que foi o amado mar de Kyrenia que até nós os trouxe.

*

Amargo mar de Kyrenia,
neste momento te despojamos
dos versos que outrora te escrevemos.

Poética

Um verso sentou-se a meu lado
e segreda-me ao ouvido algo que não entendo,
algo me diz.

Na minha sepultura

Sem flores. Uma folha de papel branco
Duas folhas de papel branco preparadas
Duas folhas de impaciente papel branco
Delicioso papel branco.

A um poeta

Senhor, se não tinhas nada a dizer
Para quê perturbar as palavras?
Para quê pertubá-las, Senhor?

A um filólogo, crítico de poesia

Se deveras detectou vinte lambdas no meu poema
Confesso que me sinto perturbado.
Se deveras detectou vinte deltas no meu poema
Então confesso-me verdadeiramente perturbado.

*

Poucos são os que nos lêem
Poucos são os que sabem a nossa língua
Sem justiça e sem aplauso permanecemos
Em canto distante
Mas compensa escrevermos em grego.

Fotini Hadjittofi traduziu estes poemas de Kostas Montis, expoente máximo da poesia cipriota do séc. XX, para a Jornada de Cultura Neo-helénica que teve lugar na FLUL, no passado dia 25 de Maio. Há pouco, no decurso da delicada operação de deitar fora alguns papéis que estavam alojados na minha mochila desde o séc. IX a.C., encontrei uma cópia dessa tradução.
A versão que aqui passo foi em alguns pontos revista por mim (sem a Fotini saber, mas assim que a vir eu comprometo-me a avisá-la).

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