Por último, para elogio e divulgação da erudição contemporânea em Portugal, há o projecto da Classica Digitalia, da Universidade de Coimbra. Poucas áreas existem que mais perderam com a progressiva desaparição da componente humanística do saber nos curricula académicos do que os estudos clássicos. O conhecimento do grego e do latim, que eram até há algum tempo condição sine qua non para se "entrar" em Filosofia (no meu tempo, era o Alemão para o Direito e o Grego para a Filosofia, isto no liceu, sim no licue...), são hoje meras opções facultativas que atraem apenas uma minoria de uma minoria. O corte com as línguas clássicas empobreceu significativamente todo o conhecimento clássico, mesmo quando aumentou o número de traduções de qualidade de textos antigos.
Por tudo isto, a Classica Digitalia é um trabalho de muito mérito e, como sempre acontece com os clássicos, não há texto que morra de caducidade, mas estão lá vivos e absolutamente actuais. Leiam-se os últimos publicados nos Classica Digitalia, as Obras Morais de Plutarco, seja o Como distinguir um adulador de um amigo, o Como retirar benefício dos inimigos, o Acerca do número excessivo de amigos, e o Sobre o afecto aos filhos, entre muitos outros textos, e tudo está lá perfeito. Leiam-nos no Portugal de 2010, com esta descrição de Plutarco sobre "o homem que confessa um amor desmesurado por si mesmo. [...] De facto, ele contradiz sempre o principío «conhece-te a ti mesmo», desenvolvendo em cada um o engano, e mesmo a ignorância, não só sobre si próprio, mas também sobre as coisas boas e as coisas más que lhe dizem respeito, tornando as primeiras imperfeitas e inacabadas, e as segundas completamente impossíveis de corrigir." Depois venham dizer-me que isto está ultrapassado.
Pacheco Pereira, 'Erudições', Público 03.07.2010
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