Being asked by them [os Efésios] to write laws he [Heraclito] would not condescend to do so because the city was already governed by a bad constitution.
[ἀξιούμενος δὲ καὶ νόμους θεῖναι πρὸς αὐτῶν ὑπερεῖδε διὰ τὸ ἤδη 3 κεκρατῆσθαι τῇ πονηρᾷ πολιτείᾳ τὴν πόλιν.]
Heraclito DK A1 (= Diógenes Laércio 9.2)
The Texts of Early Greek Philosophy, Cambridge: 2010 (trad.: Daniel Graham).
Thus, seeing that in Rome, which was organized by its own inhabitants and by many prudent men, there arose every day new reasons for creating new institutions in support of a free way of life, it is therefore not surprising that in other cities, which experience more disorderly beginnings, there arose so many problems that they could never be reorganized aright.
[Non è adunque maraviglia, veggendo come in Roma, ordinata da sé medesima e da tanti uomini prudenti, surgevano ogni dì nuove cagioni per le quali si aveva a fare nuovi ordini in favore del viver libero; se nell’altre città, che hanno più disordinato principio, vi surgano tante difficultà, che le non si possino riordinarsi mai.]
Maquiavel, Discourses on Livy 1.49
Oxford University Press, Oxford: 1997 (trad.: Julia & Peter Bondanella).
Atribui-se ao Heraclito a escrita de alguma Constituição?
ResponderEliminarA tua pergunta fez-me aperceber do paradoxo da frase de Heraclito, quando analisada dentro do contexto da filosofia política antiga, para a qual a estabilidade da constituição, se esta é boa, é tida por suprema virtude (contra Maquiavel e os modernos - ou também, em certos pontos, Platão - que reconhecem que as coisas mudam e não há uma constituição perfeita para todo o sempre, pelo contrário, ela tem de ir sendo adaptada às novas realidades). Se uma cidade tem uma boa constituição, Heraclito não aceitaria escrever as leis dessa cidade (porquê mudar o que é bom?); se a cidade tiver uma má constituição, não aceitaria também escrever porque, como diz o povo, o que começa mal tarde ou nunca se endireita. Respondendo directamente à tua pergunta: tanto quanto saibamos, não, Heraclito não escreveu nenhuma constituição (lembrar a estória dele a brincar aos ossinhos com os garotos, dizendo que aquilo era tão jogo como a política — o que é claro um exagero, porque ele preocupava-se, como qualquer grego, com a vida da cidade, como so fragmentos e outros testimonia comprovam).
ResponderEliminarMas mesmo sem seguirmos a ideia de Constituição enquanto Leis Inalteraveis que têm primazia sobre as restantes leis, custa-me a crer que a tua primeira conclusão não seja um non-sequitur, mesmo sem querer desvalorizar a potência da intuição como um todo: A existência duma Constituição boa não pode implicar que mais leis, e boas, não sejam feitas: a legislação não se poderia esgotar na Constituição; esta e a "forma" da cidade, algo que diz, "A cidade rege-se com os seguintes organismos publicos XYZ, e podem participar neles os cidadãos ABC." Mas ao facto de Aristoteles poder escrever uma "Constituição dos Atenienses" não se segue que não fosse necessario um Conselho nem uma Assembleia, precisamente para legislar: duvido que a maior parte das Constituições Gregas se entendessem como as Leis de Platão: totais, ou que se concedessem esse refinamento de razão que e a tentativa de criar algo que precavenha contra todas as injurias da sorte.
ResponderEliminarDuma apreciação semelhante do problema nascerão talvez os actuais dilemas hermeneuticos do Corão e da Shariah: fidelidade aos preceitos particulares positivamente transmitidos, como usar o hiab, --porquanto "constituintes" da lei--, ou unicamente aos preceitos gerais, sendo a legislação particular que a partir dai sera necessario criar tornada equivalente aos ditos preceitos particulares transmitidos? Onde e que acaba a Constituição e onde começa a Legislação? Teria de estudar muito mais para compreender. Que me dizes tu?
Por ora, não te sei dizer também nada de muito mais seguro, mas espero findo o primeiro semestre em Direito ser capaz de articular um discurso coerente sobre estas matérias. O teu ponto tem toda a razão de ser: os próprios espartanos, modelo clássico (ainda que também mítico) de constituição parmenidiana, tinham órgãos de decisão que, bem, decidiam, criando, imagino, novas leis, ainda que sempre dentro do paradigma constitucional herdado. Reduzir a Legislação à Constituição foi um erro (mesmo se inconsciente) da minha parte. Sublinhares essa diferença permite-me até interpretar com novos olhos o fragmento: Heraclito estaria apenas a dizer que, mesmo que escrevesse as melhores leis do mundo, elas teriam pouco efeito, porque a matriz em que estariam inseridas era ela má. (Nota apenas: mesmo nas 'Leis', há certas coisas que o Estrangeiro Ateniense diz explicitamente que poderão ser determinadas depois e que ele não especifica como se devem materializar). Quanto à questão que puseste acerca da Sharia, creio que é um problema que transborda o caudal do direito, sendo extensível, no fundo, a qualquer empreendimento humano: o que é o essencial e o acessório? Se uma obra é coerente, até que ponto o menor não é tão fundamental como o maior, porque deduzido daí? Como tu, guardo-me no silêncio: são questões demasiado amplas para caixas de comentários de blogues.
ResponderEliminarNão penso que transborde do canal do direito, muitíssimo pelo contrário, e muito especialmente nos dias de hoje, com a multiplicação inevitável de estados islâmicos cujas constituições por definição serão islâmicas, mas caímos numa "aporia de detalhes." Aqui, como é natural, prefiro calar-me ignoratiae causa; o essencial e o acessório torna-se um conceito cada vez mais problemático quando aplicado a textos sagrados, como o é o Corão.
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