segunda-feira, 31 de maio de 2010

Pro Astrologia

É pois em vão que se recorre à celebre teoria da roda do oleiro que Nigídio, embaraçado com esta questão [porque é que os gémeos têm destinos tão diferentes, se nascem sob a influência dos mesmos astros], deu em resposta, diz-se — e daí ter sido alcunhado de Fígulo (Figulus = oleiro). Com quanta força pôde, imprimiu grande velocidade à roda do oleiro. Enquanto ela girava, marcou-a duas vezes com tinta preta, com a maior rapidez, como se o fizesse no mesmo sítio. Depois, parada que ficou a roda, encontraram-se na borda umas marcas bastante distanciadas. É assim, diz ele, que acontece na rapidíssima rotação do céu. Embora os gémeos nasçam um depois do outro tão rapidamente como a marcação dos sinais da roda, isso constituirá no céu uma grande distância. Daí provêm, diz ele, todas as dissemelhanças verificadas nos comportamentos e nos sucessos dos gémeos.

Santo Agostinho, Cidade de Deus, Livro V, Cap. III
Gulbenkian, Lisboa: 1991. (trad.: J. Dias Pereira)

[Frustra itaque adfertur nobile illud commentum de figuli rota, quod respondisse ferunt Nigidium hac quaestione turbatum, unde et Figulus appellatus est. Dum enim rotam figuli ui quanta potuit intorsisset, currente illa bis numero de atramento tamquam uno eius loco summa celeritate percussit; deinde inuenta sunt signa, quae fixerat, desistente motu, non paruo interuallo in rotae illius extremitate distantia. "Sic, inquit, in tanta rapacitate caeli, etiamsi alter post alterum tanta celeritate nascatur, quanta rotam bis ipse percussi, in caeli spatio plurimum est: hinc sunt, inquit, quaecumque dissimillima perhibentur in moribus casibusque geminorum."]

imagem: carta astrológica de Ricardo Reis, por Fernando Pessoa

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